sábado, 10 de abril de 2021

Artigo da Diretora de Intercâmbio Nacional e Internacional da ANG

Inclusão, dignidade, garantia dos “direitos” da mulher - idosa-frente à “diversidade e preconceitos“ no dia 8 de março – “Dia Internacional da Mulher “

Zhélide Quevedo Hunter

Presidente ANG/RS, Psicóloga, Especialista em Gerontologia e Diretora de Intercâmbio Nacional e Internacional da ANG.

Em 1975 a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o dia 08 de março como “Dia Internacional da Mulher”, numa tentativa de “desconstrução" de preconceitos e estereótipos negativos que formam parte da discriminação existente contra as mulheres na sociedade, na família e, até mesmo, entre elas. A ONU, com esta decisão, reconhece as conquistas sociais, políticas, culturais e econômicas das mulheres, de forma, independente, sejam quaisquer as etnias, línguas, culturas, religiões ou níveis sociais e políticas, em que elas possam transitar. Lembramos aqui, um pouco da história para chegar a este dia especial! Há várias versões da origem desse dia. Há quem diga que no dia 08 de março de 1917 houve, na Rússia imperial uma grande passeata de milhares de mulheres, em protesto contra a carestia, o desemprego e a deterioração das condições de vida, da época. Esta manifestação precipitou a revolução comunista de 1917, que já estava em gestação. Essa data foi repetidamente comemorada nos países socialistas, em anos subsequentes, como dia “nacional da mulher”. A história das mulheres é hoje um campo de estudos que visa resgatar a participação feminina ao longo do tempo, quebrando a lógica da história, como construção predominantemente masculina, já que durante muitos séculos, houve um silêncio histográfico, em relação às mulheres. Em épocas passadas, apenas algumas mulheres aparecem em destaque na história a exemplo de Joana D´Arc, algumas rainhas, princesas, médicas, religiosas e cientistas, entre outros poucos exemplos na política. Somente a partir de 1960 nos Estados Unidos da América (EUA) e na Grã-Bretanha e a partir de 1970 na França, os movimentos feministas, atuando nas universidades, na literatura, na política, no campo científico e na educação, consolidaram o papel feminino, até conseguirem em 1975 o reconhecimento da ONU, do dia 08 de março como o Dia Internacional da Mulher, pela força das suas obras, da contribuição intelectual, dos avanços científicos, enfim, tudo o que, cultural e socialmente, as mulheres tem feito em prol da humanidade, sozinhas ou com um companheiro. Vimos então que a história do ser humano até o século passado era uma história focada em apenas um dos gêneros, o masculino. A reviravolta feminista que começou a contestar essa realidade injusta serviu como exemplo e estímulo à outra reviravolta – a das mulheres idosas. À época, na sociedade em geral, havia um imaginário negativo do conceito de “envelhecimento” e do viver pessoal da mulher idosa, sustentada por mitos, estereótipos e preconceitos, fazendo com que muitas pessoas passassem a criticar o “viver” da mulher considerada idosa. Como consequência, esses sinais de discriminação provocaram, nesse universo feminino, transgressões aos direitos que já tinham conquistado, causando sofrimentos, sentimentos de rejeição, depressão e o “envelhecer físico precoce”. Com efeito, a revolução começa a acontecer na década de 1980, quando mulheres idosas começam a frequentar a universidade, a sair para os bailes, a namorar — se fossem viúvas ou divorciadas —, a viajar pelo mundo, a morar sozinhas, a abrir negócios, a cuidar de seu corpo, a decidir o que fazer da sua vida, sem precisar pedir autorização ao marido ou aos filhos. Foi nessa década que a “discriminação” foi focada no centro das discussões e as mulheres começaram a brigar para transformar essa triste realidade, principalmente, na área de trabalho, da saúde e da sexualidade.
Cabe agora, definir o que é “discriminação”. Entende-se que seja qualquer distinção, exclusão, restrição, rotulação ou violência motivada e/ou embasada em assuntos ligados, principalmente, à “idade, sexo, etnias, identidade de gênero, orientação sexual, raça, língua, religião, ideologia — tanto política quanto doutrinária religiosa —, dependência funcional ou incapacidade, seja física ou mental, ou por ter determinada doença (inclusive HIV), e/ou por status econômico, social, locação geográfica ou migratório, ou por qualquer outra índole, que venha a agir sobre as pessoas, coibindo, constrangindo ou, anulando direta ou indiretamente a sua liberdade, assim como os méritos no mercado de trabalho, nos relacionamentos, na evolução existencial ou cultural da pessoa, ou dos grupos, ou de comunidades, atuando, objetivamente, de forma, aparente ou insidiosa, sobre o exercício pleno e justo dos seus direitos como ser humano. Outra espécie de discriminação sobre a pessoa idosa é o que chamamos “ idadismo”( relativo a idade), ageismo (que vem do francês “agê) ou etarismo (relativo a faixa etária,) que são expressões que identificam essas formas de discriminação relacionadas a idade.
Destarte, a longevidade é uma conquista recente, principalmente a da mulher que chama a atenção por ser criativa, inovadora, super ativa, ainda. O mais espetacular foi constatarmos que de cada dez pessoas que alcançam 80 anos, plenamente lúcidas, saudáveis e ativas, oito são mulheres! Sim, somos maioria, mas ainda somos “marcadas” pelo preconceito por ter mais idade. Como mulher, minha experiência ao longo dos 81 anos, leva a sentir-me diferente, não a ponto de competir com os jovens, pois essa disputa não existe. Na verdade, não sabemos quando começamos a envelhecer, ou quando entramos na “envelhecência”; por isso estou sempre a indagar: Será que comecei a envelhecer quando as pessoas passaram a me chamar de “senhora”? Ou quando fui mudando a maneira tomar decisões, optando pelo “Simples”, seguindo a orientação da minha contadora?
Na sociedade contemporânea, infelizmente, o que pesa é o algarismo que define “ter esta ou aquela idade”. Assim, muitas vezes, sem conhecer a pessoa, pressupõe-se que por ter "tal idade", a pessoa é um ser decrépito, obsoleto ou incapaz. Ocorre também que, quando te conhecem pessoalmente, ao saber qual é a sua idade te diz: “você não representa tal idade”! O favorável destas mudanças são as consequências positivas que elas nos trazem psicologicamente, porque passamos a ver que ser mulher envelhecente é um privilegio e uma conquista. Podemos viajar, fazer aquele cruzeiro, podemos voltar para a faculdade e obter aquele diploma que uma vez sonhamos, podemos fazer aquele curso de línguas ou de dança; podemos namorar e receber nossos amigos em nosso apartamento, podemos, sem críticas, aprender a andar de bicicleta e iniciar o curso de violão, entre tantos outros desafios. Com isso, estamos rompendo com o idadismo, ageismo ou etarismo. E, assim, corajosamente, nos permitimos “reclamar” do que não aceitamos, e não ter vergonha de falar e/ou assumir nossas convicções, mostrando nossa capacidade lúcida de escolhas, de dizer “sim” ou “não” sem nos afetar diante das pressões ou opiniões alheias. Reclamar, por exemplo, que não há segurança no prédio, porque não tem corrimão na escada ou reclamar dos ônibus da cidade com degraus altos demais para nossas pernas. Talvez a sociedade não considere essas adaptações necessárias e importantes por que “querem” que os “idosos fiquem confinados, em casa”.
Finalizo essa reflexão reiterando que a discriminação contra as mulheres idosas é um preconceito que precisa ser desconstruído. Se o assunto do momento é fazer mudanças e abrir novos caminhos para a diversidade de raça, de sexo, de religião devemos incluir a diversidade de gerações e de gênero nesse pacote, dizendo “não” a essa discriminação exercida por uma sociedade etarista, que tenta “não ver“ nosso gênero feminino, que tenta nos inibir ou impedir que, apesar da idade e de sermos mulheres, possamos ser felizes, livres, empreendedoras, sem tutelas familiares, podendo assumir nossas próprias atitudes e escolhas, da forma como nossa vontade determina, como sujeitos de compartilhamento de uma história na qual estamos inseridos naturalmente, desde que o mundo é mundo; como participantes, como críticas, como lutadoras, como criadoras, como construtoras.